domingo, 26 de fevereiro de 2012

A DIMENSÃO ARTÍSTICA × OBJETIVIDADE CIENTÍFICA


Que imagem é feita de um cientista? Quando falamos deles, a maioria das pessoas logo traz à mente a figura de um homem estranho, com os cabelos arrepiados, óculos de grau e um laboratório cheio de substâncias expelindo fumaças dos tubos de ensaio. Na verdade, um cientista não está diretamente ligado a um laboratório ou necessariamente faz cálculos mirabolantes.

Infelizmente, a mídia tem alimentado essa falsa concepção há anos, sejam em filmes, séries, revistas ou novelas. O cientista é sempre um cara doidão, nerd, frio, sem vida social e com um visual largadão. Isto pode ser até certo ponto, verdadeiro. Talvez o inconsciente coletivo tenha a figura de Einstein, que notadamente é o cientista mais famoso da História.

Albert Einstein: o arquétipo do cientista 


No entanto, existem cientistas em todas as áreas: Política, Economia, Educação, Áreas sociais, Exatas, Humanas, etc. O objetivo da postagem é destruir os rótulos em torno dos cientistas. Não me refiro às aparências, mas aos estereótipos.

 A ciência é uma organização metódica e ordenada do conhecimento. Ela lida com a Lógica, deduções e metodologias bem definidas. Ser cientista é adotar essa postura. Mas nem a ciência, nem seus métodos são infalíveis. Toda teoria é passível de aprimoramentos.

A ciência lida com fenômenos naturais. O cientista deve ser objetivo e imparcial na elaboração das teorias.



A ciência lida com fenômenos naturais. O cientista deve ser objetivo e imparcial na elaboração das teorias 

Uma das maiores revoluções do pensamento humano foi a sistematização da ciência através do que hoje conhecemos por método científico. Para que um conhecimento seja considerado “científico”, deve se basear na observação, medição e experimentação. Oficialmente, foi com o físico e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564 1642) que se estabeleceu esse método. Por essa razão, Galileu é considerado o pai da ciência moderna.   
  
Galileu Galilei é considerado o pai da ciência moderna


Precisão, rigor, objetividade, método. Estas são as credenciais de qualquer cientista. Ao contrário dos artistas, que podem voar com as asas do imaginário, o cientista possui um papel bem definido. Não há margem para qualquer subjetividade ou surrealismo. As conclusões devem ser pautadas na realidade dos fatos. Não estou desmerecendo os artistas, mas comparando para poder estabelecer os objetivos de ambos. A arte possui recursos ilimitados de criação, enquanto a ciência lida com as limitações do mundo físico. Eis um breve poema:

“Rasgam-se as nuvens no céu estrelado,
invade-se a vontade de gritar,
o Sol mantém-se ao longe... calado,
ouvindo o som do belo luar.

A fada desperta do sono encantado,
com a sua harpa de sonho a tocar,
o sol dormindo... sonha deleitado,
vislumbrando ao longe um novo acordar

Surge então um novo céu... a nevar
de noite e durante a madrugada,
O sol mantém-se coberto a sonhar
com estrelas e com a sua amada...

Ouve-se ao longe um galo a cantar,
adivinha-se o nascer de um novo dia,
A lua vai-se embora a chorar,
mas o Sol... desperta com alegria.

A lua adormece por fim.
Mas o Sol nada leva a mal,
pois ama a Lua tanto assim,
que voltará a encontrá-la num sonho de Natal...”

Perceba que há elementos impossíveis e ridículos do ponto de vista científico, mas igualmente belos e simbólicos na dimensão artística. Deve ser por esta razão que poetas e cientistas não se entendem muito bem. A objetividade e a subjetividade em ambos não se associam. Mas os cientistas também são artistas, em certo sentido. Isto porque, na formulação das teorias, muita criatividade deve ser empregada na elaboração de um modelo. 

A alma artística de um cientista é um pouco diferente da usual. Uma fórmula matemática é na verdade um poema. Isto porque uma fórmula é capaz de descrever a beleza do mundo físico de um modo elegante e compacto. Mas esta linguagem é apreciada por poucos, já que está codificada pela matemática.

Não se trata de uma competição tola. A arte, a poesia e a ciência têm seus objetivos distintos. A poesia possui uma dimensão que a ciência não é capaz de atingir e vice-versa. É pelo fato de o cientista não poder abordar esta dimensão em seu trabalho que ele é considerado frio, sisudo e introspectivo ao extremo. É pela mesma razão, que aparentemente o cientista não pode ser um religioso.


A arte de Salvador Dalí reflete o surrealismo típico do nosso inconsciente e dos sonhos


Mas o cientista é, de fato, uma pessoa centrada numa metodologia sistêmica. Suas crenças e nem mesmo suas opiniões pessoais podem interferir no seu trabalho. Nesse aspecto ele deve ser “frio e calculista”. Seus resultados devem estar de acordo com as observações, mesmo que estas entrem em choque com suas crenças e opiniões pessoais. Imparcialidade é a palavra-chave para qualquer trabalho realmente sério. Não há espaço para “achismos”, nem tampouco para subjetividades. 

A religião aborda aspectos metafísicos e pelo método científico isso não é válido. À época de Newton era muito comum a palavra “DEUS” nas correspondências trocadas e mesmo nas discussões filosóficas das formulações de teorias científicas. A ciência não é inimiga da religião e nem da arte, ela apenas possui um corpo distinto e aborda o conhecimento do ponto de vista do método científico, apenas isso.


Na concepção medieval, Deus era um grande geômetra, o Arquiteto do universo.
Cientistas como Kepler, Galileu e Newton incluíam Deus em seus trabalhos. No entanto, essa postura hoje em dia  pertence ao campo da metafísica, pois choca-se com as premissas do método científico adotado    


Cientistas como Kepler, Galileu e Newton incluíam Deus em seus trabalhos. No entanto, essa postura hoje em dia  pertence ao campo da metafísica, pois choca-se com as premissas do método científico adotado   

A emoção é outro fator que deve ser controlado, pois nem sempre é adequada. Imagine, por exemplo, um médico que precisa fazer uma incisão com o bisturi. Se ele for emotivo, jamais vai abrir o paciente. E quando vazar aquela quantidade enorme de sangue? Acho que é por isso que os familiares não podem acompanhar os procedimentos cirúrgicos. O médico não é frio, insensível, perverso; ele é concentrado na sua tarefa e não deixa emoções tolas interferirem no seu trabalho.  A emoção deve ser usada em outras ocasiões e em outras profissões que a exijam. Em algumas situações ela deve ser suprimida, até porque pode resultar em erros irreversíveis. O cientista também segue esta linha.



Em suma, um cientista pode possuir concepções espirituais e artísticas, ora sendo pessoa humana. Do ponto de vista da produção científica, devem-se adotar as premissas que o método científico condiciona. Dessa forma, seu trabalho será pautado na imparcialidade e objetividade.

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  Esta é uma postagem original de O Argonauta. É proibida a cópia total ou parcial da mesma.

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